Escritório Ailtamar Advogados

Por: Escritório Ailtamar Advogados

Por Matheus Hanun*

A pandemia gerada pela Covid-19 trouxe um período de desafios inéditos, para o meio jurídico e também para o mundo como um todo. Em que pese a surpresa com que o Direito recebeu este momento peculiar, houve mudanças dinâmicas em institutos jurídicos, anteriormente consolidados, e em outros casos, puseram à prova a eficácia das normas perante a maior crise sanitária da história do País. Entre as alterações relacionadas à convivência, redefine-se também a atuação do síndico, ou da assembleia de condôminos em tempos de pandemia, surgindo o questionamento se o síndico tem poder de impedir aglomerações nos edifícios que são de sua responsabilidade.

De forma concreta, esse questionamento surgiu em razão das medidas de isolamento social, objetivando a diminuição do contágio da Covid-19. Uma vez que, os condôminos começaram a realizar suas atividades em suas casas, sejam profissionais ou pessoais, e esse fato acabou gerando vários conflitos entre vizinhos, ultrapassando a razoabilidade acerca da matéria.

Os espaços físicos comuns aos condôminos e a convivência entre pessoas com diferentes personalidades, estilos de vida e culturas distintas fizeram com que a rotina nos condomínios se tornasse mais penosa, sobretudo num momento em que a vigilância do bem-estar comum fica sob a responsabilidade de todos. Pelas razões elencadas, não é difícil concluir que, a vida em face às diferenças, resultaria em inúmeras divergências.

Imaginemos as seguintes situações: o advogado que está trabalhando em regime de home office, e tem de conviver com barulhos de obras no apartamento vizinho; e a psicóloga realizando suas atividades laborais rotineiras, tendo que suportar barulhos de aglomerações. Fica evidente o quão temerária são tais situações, seja por motivos de harmonia do lar, trabalho ou de saúde pública, esta última ainda mais importante.

Ademais, há ainda a questão relativa ao aumento do fluxo de pessoas transitando nos condomínios, pois as aglomerações não se limitam ao espaço da reunião, tendo em vista que essas pessoas não ficam imóveis dentro de suas unidades: elas recebem prestadores de serviços, fornecedores de materiais, saem de suas unidades por motivos diversos etc.

Nos exemplos mencionados, a lógica nos conduz à conclusão de que o risco de contaminação se agrava, afinal, há uma movimentação maior nas áreas comuns do condomínio (elevadores, escadas, saguões), o que inevitavelmente contribui para a proliferação do vírus.

Tais situações nos redirecionam ao questionamento feito no início do artigo: o síndico, ou a assembleia de condôminos, pode adentrar na propriedade privada dos moradores e impedir a realização de obras, aglomerações ou circulação durante a pandemia, visando resguardar o sossego e a saúde dos demais moradores?

A resposta precede uma análise clínica de elementos do Direito Civil.

Na visão da maioria dos juristas brasileiros, há a possibilidade de, em casos excepcionais, suspender-se a realização de obras e aglomerações nos condomínios, primeiramente, pelo fato de que a maioria dos decretos de restrições das prefeituras brasileiras impediram as obras de construção civil. Logo, devem ser observados os atos do poder executivo municipal. Todavia, eventual autorização não obsta o síndico, ou a assembleia condominial, de interromperem atividades que coloquem a saúde dos demais em risco.

Para isso, é imprescindível a análise acerca da natureza da obra. Por exemplo, caso a obra seja necessária e a urgência seja justificada, o condomínio, na pessoa de seu representante, deve tratar tais casos com razoabilidade, devendo exigir o cumprimento de todas as medidas de saúde e segurança.

Quanto à questão da utilização da área comum dos condomínios, verifica-se que não há permissivo legal para a proibição do uso dessas áreas, pois estes espaços também são, proporcionalmente, do proprietário da unidade residencial, e não seria razoável uma interferência no direito de propriedade sem fundamentos concretos.

Os moradores podem sofrer restrições quanto ao uso de elevadores, piscina, academia, quadras esportivas, dentre outros? 

Apesar de entender o momento pandêmico que vivemos, e notar a polêmica envolta do assunto, o Código Civil não prevê essa possibilidade, ou seja, não poderá haver uma proibição absoluta do uso dessas áreas comuns, pois tais proibições afetariam diretamente o direito de propriedade.

No entanto, isso não quer dizer que as áreas condominiais não possam sofrer restrições parciais, podendo este estabelecer regras de seu uso, com o objetivo de resguardar o direito à saúde dos demais condôminos, evitando a propagação do vírus.

Assim, é possível que o síndico, junto à assembleia de condôminos, possa determinar o uso de elevadores de maneira individual ou por grupo familiar; quanto às áreas comuns de uso não essencial, estas podem sofrer limitação excepcional durante o período pandêmico, estabelecendo horários de reserva de uso individual ou coletiva, para os grupos familiares de condôminos.

O ponto mais controverso diz respeito à realização de festas e recepções nas áreas de lazer comum aos condôminos, aqui será exigido maior ponderação entre os direitos fundamentais de propriedade e de saúde pública.

É um fato que festas e reuniões com aglomeração de pessoas durante o período de quarentena sujeita a comunidade ao risco da contração do vírus, por isso é possível a proibição nas áreas comuns e na própria unidade autônoma, considerando que essas aglomerações põem em risco os moradores, resultando então, num acordo preestabelecido de respeito mútuo à comunidade.

Para qualquer desses atos de proibição ou limitação, a assembleia deve ser convocada para deliberar sobre o assunto, criando limitações específicas ao direito de propriedade condominial face à prevenção dos efeitos causados pela pandemia, salvo em casos urgentes, devendo sempre ser observado o regimento interno do condomínio em específico.

Por fim, é importante salientar que todos os temas relativos à prevenção da Covid-19 devem ser tratados com muita seriedade, pois a desconfiança e a confusão das informações que foram levadas ao público, são alguns dos motivos que ensejaram toda a circunstância que a pandemia nos trouxe para a vida cotidiana. Diante das consequências, sejam sociais ou econômicas, resta mais do que provado que esse assunto é mais complexo do que parece.

*Matheus Hanun é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás desde o ano de 2019. É Advogado inscrito nos quadros da OAB/GO sob o número 59.730. É membro da Comissão Especial do Direito do Agronegócio (2021-) e da Comissão de Direito Agrário 2021-). Atua nas áreas do Direito Cível; Empresarial e do Agronegócio.

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DESDE 1991 Com atendimento especializado em diversas áreas do direito relacionadas ao setor rural e do agronegócio

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